sábado, 11 de maio de 2013

Ainda sobre a falta de médicos e as soluções para o problema

Depois de alguns dias discutindo em vários espaços a questão de ser bom ou não trazer uma penca de médicos de Cuba pra cá, entendi que o grande problema deste governo (e dos anteriores também) é a falta de clareza no que propõe. Não existem estudos bem feitos sobre os problemas, não existem propostas bem embasadas, não existem metas. E por falta disso tudo, surgem soluções mirabolantes querendo resolver o problema em 6 meses, usando como justificativa a urgência da população. Se a gente pensa muito no hoje não resolve o amanhã. Se minha política pra falta de água é comprar caminhão-pipa eu nunca vou ter barragens, aquedutos, etc.

Imaginem se o governo publica o seguinte documento:

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"O governo federal estudou ao longo de (insira um período) a questão da insuficiência de assistência médica no interior do país. Diversos estudos foram realizados por instituições de pesquisa nacionais, e os resultados obtidos foram analisados por uma comissão que incluía técnicos do governo, entidades profissionais e o controle social (indicados pelo Conselho Nacional de Saúde). As conclusões desta comissão são aqui apresentadas, assim como as propostas e metas para cada um dos problemas.

Problema 1: Número insuficiente de médicos no país:

O Brasil tem (coloque um número aqui) médicos, com uma taxa de (coloque um número aqui) médicos/100 mil habitantes. Entendemos que para atender às necessidades de um sistema de saúde que se pretende universal, em um país com a extensão territorial que temos e considerando o fenômeno da concentração de médicos nos grandes centros (que será discutido especificamente mais adiante), o país precisaria ter (coloque um número aqui) médicos/100 mil habitantes. Para atingir esta meta precisamos ampliar o número de médicos formados por ano: atualmente o Brasil forma (coloque um número aqui) médicos/ano, e precisaria formar (coloque um número aqui). Assim, serão tomadas as seguintes medidas:
a) Ampliação das vagas em Universidades Federais: as Universidades Federais serão estruturadas e financiadas para atender às necessidades de ampliar as vagas para os cursos de medicina, e considerando que o local onde o curso é realizado influencia na fixação do profissional, serão criadas (coloque um número aqui) vagas para cursos de medicina em cidades-pólo localizadas no interior do país.
b) Estímulo à criação de vagas em Faculdades de Medicina privadas localizadas em regiões estratégicas: o governo regulamentará a utilização de unidades do SUS pelo setor privado na formação de médicos, e estimulará as instituições interessadas em abrir cursos médicos no interior do país. Algumas normas são necessárias para garantir acesso amplo dos brasileiros a estas vagas, o que pode ser feito com a revisão de políticas como o Prouni.
c) Atração de médicos estrangeiros para o país: considerando que outros países acumulam experiências importantes e bem-sucedidas de construção de sistemas de saúde com uma Atenção Primária (APS) forte e universal, atrair profissionais formados nestes países pode contribuir quantitativa e qualitativamente com o provimento de médicos no Brasil. O governo identificará, em parceria com o Controle Social e as entidades profissionais, quais os países que serão considerados prioritários, e desenvolverá mecanismos de facilitação da revalidação do diploma de médico obtido nestes países. Serão financiados cursos de português e as provas de proficiência na língua, assim como a tradução dos documentos necessários para a revalidação (a legislação brasileira exige tradução juramentada dos diplomas, o que encarece bastante e dificulta a atração de profissionais em início de carreira, que normalmente são os maiores interessados em processos de imigração). As provas de revalidação serão realizadas sob a supervisão das entidades médicas e do Controle Social, para que mantenham a qualidade necessária e ao mesmo tempo garantam o atendimento às necessidades de saúde do país. Serão convidados observadores internacionais para contribuir com a manutenção de um grau de dificuldade compatível com as necessidades da população. Com estas medidas, pretendemos passar de (coloque um número aqui) para (coloque um número aqui) médicos estrangeiros com diplomas médicos revalidados anualmente no Brasil.

Problema 2: Pouca atratividade dos municípios do interior para os médicos

O provimento de médicos no país não resolve sozinho as necessidades da população, pois é necessário atrair estes médicos para os locais que mais precisam. Os estudos realizados mostram que as maiores dificuldades na atração dos profissionais incluem a não-garantia de pagamento dos salários pelos municípios, as condições precárias de trabalho, a pouca profissionalização da gestão da saúde (com frequentes ingerências políticas no trabalho dos médicos) e a resistência em mudar com a família para regiões remotas (com problemas como a oferta de escolas para os filhos, de emprego para os(as) cônjuges, etc.). Por isso, municípios com maior dificuldade de provimento e fixação serão incluídos em um programa federal de atração de médicos a estes lugares, que incluirá as seguintes ações:

a) Plano de carreira federal: considerando ser o médico um profissional estratégico, será elaborado um plano de carreira federal, onde os médicos serão contratados como servidores públicos federais com salário compatível com o mercado e plano de mobilidade que inclua o início da carreira em municípios menores e permita a migração, se desejada, para municípios maiores a partir de critérios de tempo transcorrido e de desempenho na função, ou a valorização salarial progressiva para os que desejarem permanecer nos municípios menores.
b) Estruturação da rede de saúde no interior: as linhas de financiamento do Governo Federal priorizarão os municípios menores na liberação de recursos para construção, reforma, ampliação de unidades de saúde. Serão garantidos pelo Governo Federal recursos suficientes para a existência de uma Equipe de Saúde da Família para cada 3500 habitantes, que trabalharão em Unidades Básicas de Saúde com estrutura padronizada em todo o país. Só serão construídas outras formas de unidades de saúde (como hospitais, unidades de pronto-atendimento, entre outros) após a garantia de uma rede mínima de serviços de Atenção Primaria à Saúde.
c) Priorização da residência médica em Medicina de Família e Comunidade: considerando que o médico de família e comunidade (MFC) é o profissional mais adequado para atuação na APS, o Governo Federal adotará medidas como a criação de Programas de Residência Médica nesta especialidade no interior do país, apoiados pelas IES federais e por mecanismos de Educação à Distância. Além disso, esta especialidade será considerada pré-requisito para a entrada em vagas de especialidades focais (cardiologia, endocrinologia, neurologia, etc.), o que direcionará os médicos recém-formados para uma complementação de sua formação mais orientada para as necessidades do país, como acontece em outros países com sistemas de saúde mais bem desenvolvidos. Para isso serão criadas, em um prazo de 5 anos, (coloque um número aqui) vagas para a Residência em MFC no país.
d) Profissionalização das gestões municipais: será criada Lei Federal que exija formação mínima para cargos de gestão no SUS, e os estados e municípios serão estimulados a adotar leis semelhantes. Considerando a dificuldade no provimento destes profissionais, o Governo Federal financiará cursos de formação de gestores de saúde em larga escala nos próximos cinco anos, formando ao menos (coloque um número aqui) de gestores. Este período de formação será considerado como período de adaptação à nova legislação por parte dos municípios.
e) Outros benefícios: serão discutidas nos próximos anos medidas que estimulem a migração de famílias de médicos para o interior do país. Entre elas poderão estar a priorização de vagas para os filhos em instituições de ensino, o fornecimento de linhas de crédito para construção/aquisição de casa própria, o subsídio temporário do transporte entre o município de origem e o de fixação, entre outras."

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E assim vai. Tem muito pra fazer ainda, isso é só o produto de meia hora de dedicação à escrita na frente de um computador. Tem gente muito mais sabida do que eu no governo, que pode fazer ciosa muitíssimo mais bem elaborada e embasada. Mas o caminho é esse. Não dá pra fazer de outro jeito. Ou responde às perguntas básicas (de quantos médicos precisamos? quem são os médicos que precisamos? como poderemos formá-los? como atraí-los para o interior do país? etc...) ou vai ficar enxugando gelo.

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