quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Todo ano tem: Outubro Rosa

O Outubro Rosa é uma campanha que tem origem nos anos 90, nos Estados Unidos. A proposta é promover atividades com o objetivo de concientizar a população sobre a importância do diagnóstico, tratamento e cura do câncer de mama. Sendo a doença um problema de saúde importante em todo o mundo, levando a várias mortes e mutilações, e considerando que diagnosticar e tratar a doença precocemente poderia evitar estes desfechos, faz todo o sentido promover iniciativas deste tipo, certo?
Claro que despertar as pessoas para um problema pode ser importante, mas esse tipo de iniciativa não pode estar baseado em desinformação. O objetivo deste texto é apresentar alguns fatos relacionados ao câncer de mama.
  1. O câncer pode ser evitado?
    Não existe nada que possa ser feito que garanta que uma pessoa não terá câncer de mama. Existem situações que estão associadas a uma maior probabilidade de ter a doença, os chamados fatores de risco. No entanto, os fatores de risco não necessariamente são causas da doença, e a ausência destes fatores não garante que uma pessoa não terá câncer de mama. Promover um estilo de vida saudável, evitando a obesidade, o abuso de bebida alcoólica, o tabagismo, etc. são recomendações que valem para tentar evitar qualquer doença, mas quase todo mundo conhece alguém que se cuidava bastante e mesmo assim teve câncer, não é?
  1. Descobrir o câncer precocemente diminui a mortalidade?
    Individualmente, talvez sim. Em termos populacionais, provavelmente não. Mas como assim?
    Tomemos o exemplo de uma mulher com 54 anos que fez uma mamografia sem ter qualquer queixa e descobriu um nódulo que posteriormente foi diagnosticado como câncer. É provável que esta descoberta permita iniciar o tratamento precocemente e neste caso, esta mulher claramente se beneficiaria do exame. Mas em termos populacionais, quantas mulheres devem fazer o exame para que salvemos uma pessoa de morrer por câncer de mama?
    Um estudo recente sugere que precisamos examinar cerca de 2000 mulheres para que uma delas seja salva de morrer pela doença. Mesmo sendo muita gente pra examinar (o que torna o programa de rastreamento bastante oneroso), você pode pensar: “salvar esta vida não tem preço”.
    Acontece que tem. Para cada vida salva das garras do câncer de mama, teremos cerca de 200 mulheres com mamografias alteradas, o que gera ansiedade, preocupação, enfim, um transtorno na vida de cada uma destas mulheres. E para algumas delas a coisa vai ser pior: cerca de 10 destas mulheres falsamente diagnosticadas farão biópsias, cirurgias (retirando parcialmente ou totalmente uma ou ambas as mamas) e até radioterapia ou quimioterapia. Será que nove mulheres mutiladas desnecessariamente que descobrissem isso ficariam aliviadas pensando “foi ruim, mas pelo menos uma vida foi salva”? E se descobrissem que esta pessoa foi salva do câncer, mas acabou morrendo de outra coisa (visto que o estudo não aponta diminuição na mortalidade global)?
  1. Como está o tratamento do câncer de mama no Brasil?
    Está mal. Muitas mulheres que recebem o diagnóstico têm dificuldades para obter o tratamento oportuno (ou seja, cedo o suficiente para serem curadas). Isso acontece nos serviços públicos (devido à escassez de serviços para a quantidade de pacientes) e no privado (especialmente porque muitas operadoras de planos negam procedimentos e promovem uma via crucis para os pacientes até obterem autorização para o tratamento). A preocupação é tão grande que já existe uma lei federal garantindo o direito de que a pessoa com câncer receba tratamento em até 60 dias após o diagnóstico. Mas quem cumpre a lei? Poucas coisas me parecem tão cruéis quanto promover o diagnóstico precoce de uma doença para qual o tratamento não está garantido.

Agora eu te pergunto: o Outubro Rosa discute os problemas relacionados à falta de acesso ao tratamento? E o que ele traz, afinal?

O problema é que o Outubro Rosa virou o mês da mamografia. Governos mobilizam caminhões com mamógrafos para examinar as mulheres em caráter de mutirão. Celebridades (que caso adoeçam, terão amplo acesso ao tratamento) penduram lacinhos cor-de-rosa em suas roupas e compartilham imagens em suas contas no Facebook, Twitter, Instagram sem fazer qualquer reflexão sobre que tipo de assistência a população brasileira recebe, e qual deveria ser o foco se realmente quiséssemos reduzir a mortalidade por câncer de mama no Brasil (que aliás, mesmo com os sucessivos “Outubros Rosas” vem aumentando, segundo relatório do próprio Ministério da Saúde).

Quer ajudar? Cobre os gestores públicos para que ofereçam não apenas caminhões pintados de rosa, mas hospitais resolutivos no diagnóstico e tratamento do câncer de mama. Vai por mim, esse lacinho rosa na camisa e no Facebook não estão salvando ninguém. Mas em tempos onde o foco é o comportamento politicamente correto em redes sociais, quem se importa?

3 comentários:

Eliedson Bandeira de Melo disse...

Faz sentido. Sem lacinhos doravante.

Marta Melo disse...

Perfeito!

Marta Melo disse...

Perfeito!