Outubro. Estudantes mal podem esperar pelo fim do ano letivo, trabalhadores anseiam por seus 13o. salários, gestores públicos correm pra fechar as contas, economistas se preocupam em exercícios de futurologia pra adivinhar o que vai acontecer com o PIB no ano que vem, e por aí vai, nem vou mencionar as eleições.
Como se a sociedade não tivesse preocupações e anseios suficientes, inventaram mais uma: o famigerado "Outubro Rosa" e sua sanha de colocar todas as mulheres naquela máquina que aperta as mamas.
Aqui em Recife, a paranóia segue seu curso anual. O prédio da prefeitura ganhou iluminação cor-de-rosa, assim como a antena da TV Globo. Homens e mulheres usam lacinhos da mesma cor pendurados nas camisas, ou mesmo na cabeça, e se forem da área da saúde penduram no jaleco. Jornais estampam o tema em suas capas, e amigos enchem nossas linhas do tempo do Facebook com lembretes da campanha.
É preciso ser dito que a idéia inicial do "Outubro Rosa" (surgida nos EUA, há quase 25 anos) é boa: mobilizar a sociedade em torno da prevenção e tratamento do câncer de mama, doença que mata milhares de mulheres todo ano, além de estar associada a cirurgias mutiladoras e tratamentos bastante sofridos. No entanto, como muitas das idéias que começam bem intencionadas, o "Outubro Rosa" foi completamente cooptado pela indústria; nesse caso, a indústria da mamografia.
Vale a pena olhar um pouco as evidências mais recentes sobre a mamografia enquanto método de rastreamento do câncer de mama:
Um estudo feito com quase 90 mil mulheres canadenses comparou a mortalidade por câncer de mama em mulheres que submeteram à mamografias anuais durante 5 anos com mulheres que não fizeram estes exames. Todas tiveram suas mamas examinadas por um profissional de saúde. Os pesquisadores concluíram que "a mamografia anual em mulheres com idade entre 40-59 anos não reduziu a mortalidade por câncer de mama mais do que o exame físico ou os cuidados habituais quando o tratamento para o câncer está disponível livremente". E mais: verificaram também que "22% dos cânceres identificados por mamografias eram sobrediagnosticados*, representando um caso para cada 424 mulheres que fizeram a mamografia no estudo".
(*nota: para saber mais sobre sobrediagnóstico, clique aqui)
Outro estudo, este feito com mulheres estadunidenses, concluiu após analisar várias evidências que "o rastreamento sistemático por mamografia pode evitar uma morte por câncer de mama para cada 1000 mulheres rastreadas, embora não exista evidência de que a mortalidade em geral seja afetada". Ou seja, a redução na mortalidade foi muito pequena, e as mortes por câncer de mama evitadas são substituídas por outras causas no mesmo período. Sobre os malefícios do rastreamento por mamografia, consideram que "para cada morte por câncer de mama evitada no período de 10 anos de rastreamento anual começando aos 50 anos de idade, de 490 a 670 mulheres podem ter mamografias falso-positivas, de 70 a 100 farão uma biópsia desnecessária, e de 3 a 14 terão um diagnóstico de câncer que jamais traria manifestações clínicas (sobrediagnóstico)".
Embora a mamografia não tenha resultados tão positivos, não é esta a percepção das mulheres. Um estudo europeu feito com 4000 mulheres apontou que 68% delas acreditam que a mamografia diminui o risco de desenvolver um câncer de mama e 62% acreditam que diminui em pelo menos metade o risco de morrer por este tipo de câncer, concluindo que "uma alta proporção de mulheres superestima os benefícios que podem ser esperados do rastreamento por mamografia", e que "este achado levanta dúvidas sobre o consentimento informado dentro dos programas de rastreamento de câncer de mama".
Membros do Conselho Médico da Suíça, ao analisar evidências como essas, afirmaram que "é fácil promover o rastreamento por mamografias quando a maioria das mulheres acreditam que ele previne ou reduz o risco de surgimento do câncer de mama e salva muitas vidas através da detecção precoce de tumores agressivos. (...) infelizmente, estas crenças não são válidas, e nós acreditamos que as mulheres precisam ser avisadas disso".
Se as campanhas que estimulam a realização massiva de mamografias não trazem todo o benefício que as mulheres acreditam que trariam, então não servem aos interesses destas mulheres. Então servem aos interesses de quem? Provavelmente, aos que lucram com isso. Diretamente (aos que vendem o exame) ou indiretamente (por exemplo, gestores públicos que melhoram a sua imagem ao promover as campanhas).
Pelo menos uma vantagem desse ano eleitoral: o bafafá em torno das eleições está tão grande que ofuscou os apertadores de mamas...
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