Só um aviso pra quem chegou por aqui (a)traído pela última postagem, que descia a lenha no Lula.
Este que aqui escreve gostaria de fazer algumas declarações pra que não pairem dúvidas sobre a orientação política-ideológica deste espaço:
- Votei no Lula sempre que ele foi candidato (embora não tenha planos a curto prazo de repetir a experiência)
- Votei na Dilma porque entre ela e o Serra eu sou mais ela sempre
- Acho que Lula foi um presidente extraordinário, e que Dilma foi muito fraca
- Acho que todo o núcleo duro do PT sabia do mensalão
- Não vejo o PT como o partido mais corrupto do país, apenas como o primeiro a ser pego de forma tão escancarada
- Defendo o Bolsa Família, o Prouni, cotas raciais e outras iniciativas odiadas por muita gente que faz oposição ao atual governo
- Odeio o Joaquim Barbosa e o Lewandowski (o magistrado; do centroavante eu gosto)
- Defendo a liberdade de escolha da mulher em relação ao aborto, e a oferta de medicamentos/procedimentos pelo SUS às que fazem esta opção
- Sou contra a pena de morte em qualquer circunstância. Também sou contra a redução da maioridade penal (mas topo discutir algumas possibilidades)
- Defendo a descriminalização da maconha
- Sou contra voto obrigatório e financiamento privado de campanhas políticas
- Defendo voto distrital e uma ampla reforma no sistema político
- Não tenho tesão nenhum por Cuba nem pelos EUA. Mas já visitei este último, e adorei. E não pretendo visitar Cuba
- Sou contra a Copa do Mundo no Brasil
- Acho que a Petrobrás tem problemas, mas que nunca foi tão forte quanto no governo do PT
- Acredito que para chegar a qualquer cargo eletivo o cidadão tem que ser no mínimo conivente com crimes
Então, já fomos apresentados. Seja bem-vindo, venha de onde vier. Se tiver mais alguma pergunta, pode fazer nos comentários.
terça-feira, 22 de abril de 2014
segunda-feira, 21 de abril de 2014
Lula e o SUS
Você pode amá-lo ou odiá-lo, e é dificil achar quem esteja no meio termo. Lula é, sem sombra de dúvidas, a maior figura política da história recente deste país, e como presidente sua dimensão histórica está no nível de Juscelino Kubitschek ou de Getúlio Vargas. Sua aprovação popular é tão grande que elegeu sua sucessora sem maiores dificuldades mesmo com a inexperiência política dela, e seu nome ainda é aclamado pelos que desejam uma eleição presidencial mais fácil para o PT (pois ao que parece, Dilma não enfrentará calmaria nos próximos meses).
Por sua influência sobre o partido do governo e sobre a própria presidente da república, e por ter seu nome insistentemente envolvido na eleição deste ano, acho que os posicionamentos dele sobre temas vitais para a sociedade brasileira merecem uma análise bastante cuidadosa.
Lula chamou blogueiros que apoiam o governo e o seu partido para uma conversa, uma entrevista coletiva. Ela pode ser vista na íntegra no YouTube, mas recomendo que quem se interesse veja por partes para pegar direitinho a opinião sobre cada tema.
Ainda não assisti tudo, me detive à parte em que ele fala da saúde. E fiquei assombrado.
Recomendo que você assista a essa parte AQUI antes de seguir com a leitura, para poder se situar em relação ao que vou comentar. E claro, formar sua opinião antes de ler a minha.
Assistiu? Ótimo. Então vamos lá.
Ele começa dizendo que conhece "os três níveis de tratamento que tem o ser humano neste país", que seriam o SUS (que na época em que ele menciona ter usado era INAMPS, e era MUITO diferente), os planos de saúde mais baratos e o privado representado pelo Sírio-Libanês. Depois emenda dizendo que os planos de saúde não vão resolver o problema deste país. Até agora tudo ótimo.
Emenda que sempre insistiu com seus ministros da Saúde que "não é possível levar saúde de qualidade às pessoas se não tiver dinheiro", numa referência ao subfinanciamento do SUS. Melhorou, não foi?
Aí vem a primeira pedrada: "Para dar acesso à alta complexidade e aos especialistas, precisa de dinheiro". Opaaaaa!!!! Ao falar de saúde de qualidade a menção que se faz é à "alta complexidade e aos especialistas". Claro que precisamos dele sim, talvez o Lula tenha esquecido que, alinhado com os sistemas de saúde de maior qualidade no mundo, o SUS foi planejado em torno da Atenção Primária e de bons médicos generalistas (aqui no Brasil chamados de Médicos de Família e Comunidade). Vai ver que ele corrige isso mais na frente na entrevista.
Daí ele emenda críticas ao fim da CPMF, no que eu concordo plenamente com ele. Mas olha o que ele diz: "ao acabar com a CPMF, eles tiraram, só naquele ano, o equivalente a 50 bilhões da saúde". Beleza.
No meio da fala ele menciona o subsídio aos planos de saúde privados, através de dedução no IR, e o classifica como "um privilégio que nós temos e que o pobre não tem". Aí quando eu penso que ele vai colocar isso como um problema que deve ser resolvido, vem outra pedrada: "quando eu vou no Sírio Libanês (sempre ele, nota minha) fazer check-up, eu chego lá, os melhores médicos e as melhores máquinas!"
(este que vos escreve vai ali ter uma convulsão de desgosto e volta em instantes)
(continuando)
Olhem a descrição extremamente real que ele dá: "pra fazer um check-up hoje ninguém pergunta mais o que você tem, se tá com dor de barriga, tá indo ao banheiro, tá urinando bem, ninguém pergunta mais isso! Chega lá, o cara fala 'máquina 1: Pá', 'máquina 2: pá', máquina 3: pá'. Você passa numa série de máquinas, tira exame de sangue, e o cara te dá o resultado: você tá bom ou tá mal". Quando eu achei que, num surto de lucidez, ele ia CRITICAR este modelo, ele emenda: "o povo não tem acesso a isso, e se a gente não tiver dinheiro, a gente nunca vai fazer com que ele tenha."
(só mais uma convulsãozinha, ok?)
Quer dizer que o dinheiro a mais que ele defende para o SUS é pra ISSO???? Pra dar acesso a ISSO???? Lula, sinceramente, NÃO, OBRIGADO. Esta porcaria de modelo de check-up que você acha a coisa mais linda na verdade é um grande embuste. Sei que você viajou bastante durante seu mandato, e talvez tenha aproveitado pra ver muita coisa, mas seguramente você não aprendeu nada sobre sistemas de saúde por aí.
Seguindo: "as pessoas falam: 'ah, mas é falta de gestão'. Possivelmente tem um pouco de gestão, mas (o problema) é dinheiro de verdade". Não, companheiro. O problema de gestão é IMENSO. E reside na falta de qualificação generalizada dos gestores do SUS, agravada pela municipalização da gestão. Vocês sabiam que pelo menos metade dos secretários municipais de saúde não tem nem curso superior na área, ou pelo menos em administração? Que eu já vi até motorista de ambulância indicado como secretário de saúde por conveniência político-partidária? Não adianta aumentar o financiamento sem melhorar a gestão, senão vai ter mais dinheiro na mão de gestores ruins, ou seja, o dinheiro vai para o lixo (e uma parte para os bolsos de alguns).
Daí ele começa a falar do "Mais Médicos", dizendo que o programa provou que faltavam médicos no interior, que tem excesso de médicos na Avenida Paulista, essas coisas. Verdade. E emenda: "o Mais Médicos não resolve o problema, vai agravar o problema". Olha que bom. Mas como de costume, outra pérola: "Porque na hora em que a pessoa tiver acesso ao primeiro médico, vai precisar do primeiro especialista".
Uma demonstração de ignorância absoluta sobre o modo de funcionamento de um sistema como o SUS. Se o sistema é baseado na APS, então companheiro, 80 a 90% dos problemas serão resolvidos ali, no primeiro ponto de contato do usuário com o sistema. Serão resolvidos pelos médicos de família e comunidade e pelos demais membros das Equipes de Saúde da Família.
Não que a falta de especialistas não seja um problema. Mas quando o guru do partido que governa o país, ele próprio tendo sido presidente por 8 anos centraliza a solução da saúde em "mais dinheiro para dar acesso a mais especialistas" (ele ainda emenda algumas questões como credenciar a rede especializada do país para atender pelo SUS e em aumentar os honorários médicos), vocês não acham que tem algo errado?
Ele ainda chega a dizer que "praticamente não existe mais clínico geral, todo mundo é especialista em algo, EU NEM SEI SE É BOM OU É RUIM. DEVE SER BOM. O povo deve ter acesso a isso". Ter acesso a isso é ruim, companheiro. Ter a maioria dos médicos como especialista é ruim, companheiro. E saber disso é o mínimo que se espera de alguém que estuda o que acontece no mundo pra poder entender o próprio país.
A ignorância de um ícone como Lula em relação ao que deveria ser o SUS, a quais foram as disputas que deram a ele o formato que tem, o desconhecimento da figura do Médico de Família e Comunidade, o esquecimento da Estratégia Saúde da Família (nem sequer mencionados em mais de 10 minutos de fala sobre a saúde no Brasil. O homem só falou em hospital) mostram que o futuro do SUS, ao contrário do que ele prega, é sombrio. A não ser, claro que um dos candidatos faça uma fala diferente da que ele fez com os companheiros blogueiros. O que eu duvido muito.
p.s. Ele ainda teve a cara de pau de reclamar dos estados em relação à Emenda 29. Só não mencionou que o governo Dilma e sua passe de apoio no congresso trabalharam para retirar da emenda a obrigação do governo federal de investir pelo menos 10% do PIB na saúde, mas mantiveram os percentuais dos estados (12%) e municípios (15%). E ainda que Dilma vetou a possibilidade de que revisões positivas no cálculo da variação do PIB significassem mais dinheiro pro orçamento da saúde.
Por sua influência sobre o partido do governo e sobre a própria presidente da república, e por ter seu nome insistentemente envolvido na eleição deste ano, acho que os posicionamentos dele sobre temas vitais para a sociedade brasileira merecem uma análise bastante cuidadosa.
Lula chamou blogueiros que apoiam o governo e o seu partido para uma conversa, uma entrevista coletiva. Ela pode ser vista na íntegra no YouTube, mas recomendo que quem se interesse veja por partes para pegar direitinho a opinião sobre cada tema.
Ainda não assisti tudo, me detive à parte em que ele fala da saúde. E fiquei assombrado.
Recomendo que você assista a essa parte AQUI antes de seguir com a leitura, para poder se situar em relação ao que vou comentar. E claro, formar sua opinião antes de ler a minha.
Assistiu? Ótimo. Então vamos lá.
Ele começa dizendo que conhece "os três níveis de tratamento que tem o ser humano neste país", que seriam o SUS (que na época em que ele menciona ter usado era INAMPS, e era MUITO diferente), os planos de saúde mais baratos e o privado representado pelo Sírio-Libanês. Depois emenda dizendo que os planos de saúde não vão resolver o problema deste país. Até agora tudo ótimo.
Emenda que sempre insistiu com seus ministros da Saúde que "não é possível levar saúde de qualidade às pessoas se não tiver dinheiro", numa referência ao subfinanciamento do SUS. Melhorou, não foi?
Aí vem a primeira pedrada: "Para dar acesso à alta complexidade e aos especialistas, precisa de dinheiro". Opaaaaa!!!! Ao falar de saúde de qualidade a menção que se faz é à "alta complexidade e aos especialistas". Claro que precisamos dele sim, talvez o Lula tenha esquecido que, alinhado com os sistemas de saúde de maior qualidade no mundo, o SUS foi planejado em torno da Atenção Primária e de bons médicos generalistas (aqui no Brasil chamados de Médicos de Família e Comunidade). Vai ver que ele corrige isso mais na frente na entrevista.
Daí ele emenda críticas ao fim da CPMF, no que eu concordo plenamente com ele. Mas olha o que ele diz: "ao acabar com a CPMF, eles tiraram, só naquele ano, o equivalente a 50 bilhões da saúde". Beleza.
No meio da fala ele menciona o subsídio aos planos de saúde privados, através de dedução no IR, e o classifica como "um privilégio que nós temos e que o pobre não tem". Aí quando eu penso que ele vai colocar isso como um problema que deve ser resolvido, vem outra pedrada: "quando eu vou no Sírio Libanês (sempre ele, nota minha) fazer check-up, eu chego lá, os melhores médicos e as melhores máquinas!"
(este que vos escreve vai ali ter uma convulsão de desgosto e volta em instantes)
(continuando)
Olhem a descrição extremamente real que ele dá: "pra fazer um check-up hoje ninguém pergunta mais o que você tem, se tá com dor de barriga, tá indo ao banheiro, tá urinando bem, ninguém pergunta mais isso! Chega lá, o cara fala 'máquina 1: Pá', 'máquina 2: pá', máquina 3: pá'. Você passa numa série de máquinas, tira exame de sangue, e o cara te dá o resultado: você tá bom ou tá mal". Quando eu achei que, num surto de lucidez, ele ia CRITICAR este modelo, ele emenda: "o povo não tem acesso a isso, e se a gente não tiver dinheiro, a gente nunca vai fazer com que ele tenha."
(só mais uma convulsãozinha, ok?)
Quer dizer que o dinheiro a mais que ele defende para o SUS é pra ISSO???? Pra dar acesso a ISSO???? Lula, sinceramente, NÃO, OBRIGADO. Esta porcaria de modelo de check-up que você acha a coisa mais linda na verdade é um grande embuste. Sei que você viajou bastante durante seu mandato, e talvez tenha aproveitado pra ver muita coisa, mas seguramente você não aprendeu nada sobre sistemas de saúde por aí.
Seguindo: "as pessoas falam: 'ah, mas é falta de gestão'. Possivelmente tem um pouco de gestão, mas (o problema) é dinheiro de verdade". Não, companheiro. O problema de gestão é IMENSO. E reside na falta de qualificação generalizada dos gestores do SUS, agravada pela municipalização da gestão. Vocês sabiam que pelo menos metade dos secretários municipais de saúde não tem nem curso superior na área, ou pelo menos em administração? Que eu já vi até motorista de ambulância indicado como secretário de saúde por conveniência político-partidária? Não adianta aumentar o financiamento sem melhorar a gestão, senão vai ter mais dinheiro na mão de gestores ruins, ou seja, o dinheiro vai para o lixo (e uma parte para os bolsos de alguns).
Daí ele começa a falar do "Mais Médicos", dizendo que o programa provou que faltavam médicos no interior, que tem excesso de médicos na Avenida Paulista, essas coisas. Verdade. E emenda: "o Mais Médicos não resolve o problema, vai agravar o problema". Olha que bom. Mas como de costume, outra pérola: "Porque na hora em que a pessoa tiver acesso ao primeiro médico, vai precisar do primeiro especialista".
Uma demonstração de ignorância absoluta sobre o modo de funcionamento de um sistema como o SUS. Se o sistema é baseado na APS, então companheiro, 80 a 90% dos problemas serão resolvidos ali, no primeiro ponto de contato do usuário com o sistema. Serão resolvidos pelos médicos de família e comunidade e pelos demais membros das Equipes de Saúde da Família.
Não que a falta de especialistas não seja um problema. Mas quando o guru do partido que governa o país, ele próprio tendo sido presidente por 8 anos centraliza a solução da saúde em "mais dinheiro para dar acesso a mais especialistas" (ele ainda emenda algumas questões como credenciar a rede especializada do país para atender pelo SUS e em aumentar os honorários médicos), vocês não acham que tem algo errado?
Ele ainda chega a dizer que "praticamente não existe mais clínico geral, todo mundo é especialista em algo, EU NEM SEI SE É BOM OU É RUIM. DEVE SER BOM. O povo deve ter acesso a isso". Ter acesso a isso é ruim, companheiro. Ter a maioria dos médicos como especialista é ruim, companheiro. E saber disso é o mínimo que se espera de alguém que estuda o que acontece no mundo pra poder entender o próprio país.
A ignorância de um ícone como Lula em relação ao que deveria ser o SUS, a quais foram as disputas que deram a ele o formato que tem, o desconhecimento da figura do Médico de Família e Comunidade, o esquecimento da Estratégia Saúde da Família (nem sequer mencionados em mais de 10 minutos de fala sobre a saúde no Brasil. O homem só falou em hospital) mostram que o futuro do SUS, ao contrário do que ele prega, é sombrio. A não ser, claro que um dos candidatos faça uma fala diferente da que ele fez com os companheiros blogueiros. O que eu duvido muito.
p.s. Ele ainda teve a cara de pau de reclamar dos estados em relação à Emenda 29. Só não mencionou que o governo Dilma e sua passe de apoio no congresso trabalharam para retirar da emenda a obrigação do governo federal de investir pelo menos 10% do PIB na saúde, mas mantiveram os percentuais dos estados (12%) e municípios (15%). E ainda que Dilma vetou a possibilidade de que revisões positivas no cálculo da variação do PIB significassem mais dinheiro pro orçamento da saúde.
quarta-feira, 2 de abril de 2014
Aquela pipoquinha...
Entra no consultório uma senhora de 90 anos, numa cadeira de rodas, trazida por sua neta. Como de costume, quem fala é a neta, pois parece que há uma espécie de norma social que diz que idosos não podem falar por si. Pergunto o motivo da consulta, e ela responde que a avó tem diabetes e que a glicose estava alta esses dias, descobriram após "aquele exame de furadinha no dedo". Complementa que a avó também tem hipertensão, e que toma alguns medicamentos, trazidos naquela velha sacolinha de supermercado.
Me viro para a vovó, sorrio, e pergunto como ela está. Ela sorri de volta e diz: "Tô bem, doutor". Pergunto se ela come bem, se dorme bem, se tem sentido algum problema, e antes que ela responda a neta diz: "Doutor, ela adora comer pipoca. Diga a ela que não pode!".
***Se eu chegar aos noventa anos, amigos, vocês podem ter uma certeza: eu comerei o que eu quiser, na hora que quiser, do jeito que quiser (e tiver alcance pra pegar). Nem tentem impedir. ***
Enfim, digo a ela que pode comer a pipoquinha dela, só tem que ter cuidado pra não engasgar porque sabe como é, pipoca engasga. "Todo dia, doutor?", pergunta a neta, assustada. "Sim, todo dia. Desde que não substitua refeições. E tenta comer com pouco sal, ok?".
A vovó de repente dá um sorriso, agradece. A neta emenda: "Eita que tem gente que ficou feliz, né, vó?". E sorri também.
Fiz as velhas desprescrições de sempre (pantoprazol usando há 2 anos sem qualquer queixa relacionada ao estômago, tomando três medicamentos para a hipertensão e estava com pressão 12 x 8, tomando aquele velho remédio pra "baixar os triglicerídeos")...normalmente tirar os remédios é a parte que me deixa mais satisfeito durante uma consulta assim, porque é visível o alívio da pessoa quando é informada de que não precisa tomar tanta coisa. Mas nessa consulta, nem foi o melhor.
Bom mesmo foi liberar a pipoquinha pra vozinha de 90 anos. Vou pra casa com aquele sorriso dela na cabeça.
Me viro para a vovó, sorrio, e pergunto como ela está. Ela sorri de volta e diz: "Tô bem, doutor". Pergunto se ela come bem, se dorme bem, se tem sentido algum problema, e antes que ela responda a neta diz: "Doutor, ela adora comer pipoca. Diga a ela que não pode!".
***Se eu chegar aos noventa anos, amigos, vocês podem ter uma certeza: eu comerei o que eu quiser, na hora que quiser, do jeito que quiser (e tiver alcance pra pegar). Nem tentem impedir. ***
Enfim, digo a ela que pode comer a pipoquinha dela, só tem que ter cuidado pra não engasgar porque sabe como é, pipoca engasga. "Todo dia, doutor?", pergunta a neta, assustada. "Sim, todo dia. Desde que não substitua refeições. E tenta comer com pouco sal, ok?".
A vovó de repente dá um sorriso, agradece. A neta emenda: "Eita que tem gente que ficou feliz, né, vó?". E sorri também.
Fiz as velhas desprescrições de sempre (pantoprazol usando há 2 anos sem qualquer queixa relacionada ao estômago, tomando três medicamentos para a hipertensão e estava com pressão 12 x 8, tomando aquele velho remédio pra "baixar os triglicerídeos")...normalmente tirar os remédios é a parte que me deixa mais satisfeito durante uma consulta assim, porque é visível o alívio da pessoa quando é informada de que não precisa tomar tanta coisa. Mas nessa consulta, nem foi o melhor.
Bom mesmo foi liberar a pipoquinha pra vozinha de 90 anos. Vou pra casa com aquele sorriso dela na cabeça.
domingo, 23 de março de 2014
Declaração de intenções - Eleições 2014
Eu, cidadão brasileiro, com tendências esquerdistas-libertárias (pelo menos é o que diz o politicalcompass.org), declaro neste momento as minhas visões e intenções em relação aos envolvidos no processo eleitoral brasileiro que acontecerá neste ano de 2014:
1) O PT, que recebeu a maioria dos meus votos nos últimos 20 anos, passou de sonho para realidade dura. A despeito dos enormes avanços promovidos pela ampliação dos programas sociais, nunca vistos antes na história desse país, ou talvez por causa deles, o partido entrou em uma zona de conforto que o torna absolutamente inapto para assumir a postura agressiva que seria exigida para conduzir as reformas que este país necessita. Já houve um tempo em que o partido tinha capital político para enfrentar os que se beneficiam do status quo político/econômico/social neste país, mas em vez de fazê-lo, o partido parece ter oPTado por entrar no esquema. Conclusão: pretendo fazer o que considero um bem ao partido: fazer o que estiver ao meu alcance para, dentro das vias legais e democráticas, tirá-lo do poder, dando-o a oportunidade de sair da poltrona fofinha, largar o toddynho gelado e repensar sua trajetória, que hoje está tão distante do que os barbudos propunham pouco mais de três décadas atrás. Caso não consiga, pretendo fazer o que puder para incomodar, no bom sentido, o seu governo, questionando todas as besteiras que façam, reconhecendo o que ocasionalmente surgir de positivo.
2) O PSDB, a quem sempre fiz oposição, parece não ter aprendido a desempenhar o papel de segunda via. Mesmo após 12 anos vendo o PT no poder máximo, o partido não foi capaz de fazer o mínimo: uma agenda propositiva para o país. Talvez porque suas bases ideológicas tenham sido demolidas pelo cenário mundial neste período, ou pelo fato de não ter lideranças forjadas nas ruas, nos debates, mas sim nos gabinetes dos que sempre dominaram este país. Resultado: o partido parece murchar a cada eleição, o que também o torna inapto para mudar o país, pois para ter alguma governabilidade precisaria vender (sem alusão à privaria, tá?) até as cuecas e calcinhas para conseguir aprovar qualquer coisa naquele congresso imundo que temos. Conclusão: pretendo fazer o que considero um bem ao partido: fazer o que estiver ao meu alcance para, dentro das vias legais e democráticas, mantê-lo longe do poder, para que ele jamais imagine que esta trajetória ridícula dos últimos anos tenha qualquer ressonância em um segmento relevante de nossa sociedade. Torço (embora não acredite) que mais uma derrota acachapante balance suas lideranças e os direcione para um posicionamento e atitudes mais condizentes com uma oposição realmente útil ao país.
3) O PSB, postulante ao papel de terceira via, embora defenda uma nova política parece ter prática bem distinta. Pelo menos por estas bandas, onde estamos na dinastia do candidato do partido, a prática clientelista é cena comum, e não dá pra imaginar que seria diferente em nível federal. Os apoios que o candidato tem atraído demonstram isso melhor do que eu conseguiria explicar. Sobre o modelo de gestão que tem atraído tantas loas, posso testemunhar que é de fato muito interessante. O problema é que não adianta ter um modelo de gestão efetivo se as premissas estão erradas. E se você busca elaborar políticas públicas a partir de pesquisas de opinião, há uma chance boa de que você erre bastante, porque não basta captar idéias em um ponto no tempo, é preciso promover a circulação de idéias para que estas amadureçam. Gestão democrática não é ouvir as pessoas na calçada através de um instituto de pesquisa, mas sim criar espaços de discussão de propostas que sejam plurais e cujos produtos seja de fato considerados. Talvez este seja um dos grandes problemas do PSB. Conclusão: já que é pra escolher alguém neste processo, me parece que o PSB é a opção menos ruim, desde que me convença ao longo da campanha que não imporá qualquer retrocesso às políticas sociais do PT. Acho que o partido em si não será capaz de trazer algum benefício direto ao país porque pratica o mesmo fisiologismo que nos atrapalha tanto, mas talvez traga algum ganho indiretamente, sendo uma opção razoável enquanto a esquerda de verdade (porque de socialista o PSB não tem nada) se organiza novamente em torno de um projeto decente para voltar ao poder. Se eles não atrapalharem muito enquanto as idéias se arrumam, já tá de bom tamanho. Só não contem com meu voto no primeiro turno.
É isso. Quem quiser esticar essa prosa tomando uma cerva gelada pode me chamar que eu vou. Ou talvez ninguém queira me chamar pra uma cerva depois disso. Enfim. A seção de comentários tá logo abaixo.
sexta-feira, 21 de março de 2014
Pelo fim dos municípios brasileiros
Dois textos colhidos em portais da internet agora pela manhã:
1) Municípios ficam sem dinheiro para financiamento por falta de documento (da Agência Brasil):
http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2014-03/setenta-por-cento-dos-municipios-nao-podem-ter-recursos-federais-para
2) Escolas federais são a solução para a educação no Brasil (do Cristovam Buarque, no UOL):
http://noticias.uol.com.br/opiniao/coluna/2014/03/18/escolas-federais-sao-solucao-para-a-educacao-no-brasil.htm
O primeiro texto fala de uma lei de 2007 (sim, de SETE anos atrás) que estabelecia um prazo até o fim de 2013 para que os municípios brasileiros apresentassem um Plano Municipal de Saneamento Básico, sob pena de, a partir de 2014, não terem mais acesso a recursos federais para melhoria do saneamento caso não entregassem. Quantos entregaram? 30%. Isso, três em cada dez.
Aí os municípios se reuniram num evento (5a. Conferência Nacional das Cidades) a UM MÊS do fim do prazo (em novembro de 2013) e resolveram que o prazo dado anteriormente (DE SEIS ANOS) não foi suficiente e deveria ser ampliado, indo até 2015. Coincidentemente após as eleições.
Ainda não houve oficialização desta prorrogação porque é necessário que a presidente sancione. Alguém tem dúvida do que ela vai fazer em ano de eleição presidencial?
Vejam, ninguém exigia que os municípios fizessem saneamento em seis anos. Tudo que era exigido era UM PLANO para isso. E 70% dos municípios do país não tiveram competência para fazê-lo, alegando falta de dinheiro e de mão-de-obra capacitada.
O segundo texto não é uma notícia, é um projeto do Cristovam Buarque de federalização das escolas públicas. Segundo o mesmo, os municípios não são capazes de oferecer educação de qualidade em todas as suas escolas. E eu concordo com ele. Cristovam diz ainda que o custo anual de mais de 156 mil escolas federais (segundo ele, um número suficiente para cobrir o país) ficaria na casa de R$ 463 bilhões (cerca de R$ 3 milhões anuais por escola, um valor razoável), o que corresponderia a 6,4% do PIB. E lembra que o Plano Nacional de Educação prevê a destinação de 10% do PIB para a área, ou seja, o plano sairia mais barato do que o mau costume brasileiro de repassar dinheiro federal para que os municípios toquem as políticas públicas em educação.
Quando a gente olha para a saúde percebe o mesmo. As ações de saúde não acontecem direito porque cada município quer fazer do seu jeito, não há um seguimento objetivo da política nacional, e a corrupção impera junto com a incompetência técnica na maioria dos municípios. E por que isso acontece?
O governo federal se sustenta politicamente a partir do financiamento municipal. Aos que questionam o Bolsa Família (eu não), será que entendem que o centro de nossa forma de fazer gestão pública é um conjunto de "Bolsas Município"? O dinheiro vai para os municípios, que não conseguem fazer nada, e por isso pedem mais dinheiro ao governo federal, que manda mais dinheiro para se sustentar politicamente. Alguns estados já fazem o mesmo e adotam políticas de repasse de recursos aos municípios, que quase sempre são usadas como moeda de troca para manter os prefeitos sob sua influência.
Uma das inúmeras necessidades desse país é acabar com a grande maioria dos municípios, especialmente os pequenos currais eleitorais com 5 vereadores (com "Excelências" que possuem nomes do tipo "Mané da Venda", "Biu do Armazém" e "Neneca da Ambulância" - atenção: nomes fictícios, ok? Qualquer coincidência com pessoas reais trata-se de mera coincidência). As gestões municipais são, via de regra, parasitas sociais que só servem para perpetuar o poder políticos de grupos locais.
Pena que isso não vai acontecer nunca.
1) Municípios ficam sem dinheiro para financiamento por falta de documento (da Agência Brasil):
http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2014-03/setenta-por-cento-dos-municipios-nao-podem-ter-recursos-federais-para
2) Escolas federais são a solução para a educação no Brasil (do Cristovam Buarque, no UOL):
http://noticias.uol.com.br/opiniao/coluna/2014/03/18/escolas-federais-sao-solucao-para-a-educacao-no-brasil.htm
O primeiro texto fala de uma lei de 2007 (sim, de SETE anos atrás) que estabelecia um prazo até o fim de 2013 para que os municípios brasileiros apresentassem um Plano Municipal de Saneamento Básico, sob pena de, a partir de 2014, não terem mais acesso a recursos federais para melhoria do saneamento caso não entregassem. Quantos entregaram? 30%. Isso, três em cada dez.
Aí os municípios se reuniram num evento (5a. Conferência Nacional das Cidades) a UM MÊS do fim do prazo (em novembro de 2013) e resolveram que o prazo dado anteriormente (DE SEIS ANOS) não foi suficiente e deveria ser ampliado, indo até 2015. Coincidentemente após as eleições.
Ainda não houve oficialização desta prorrogação porque é necessário que a presidente sancione. Alguém tem dúvida do que ela vai fazer em ano de eleição presidencial?
Vejam, ninguém exigia que os municípios fizessem saneamento em seis anos. Tudo que era exigido era UM PLANO para isso. E 70% dos municípios do país não tiveram competência para fazê-lo, alegando falta de dinheiro e de mão-de-obra capacitada.
O segundo texto não é uma notícia, é um projeto do Cristovam Buarque de federalização das escolas públicas. Segundo o mesmo, os municípios não são capazes de oferecer educação de qualidade em todas as suas escolas. E eu concordo com ele. Cristovam diz ainda que o custo anual de mais de 156 mil escolas federais (segundo ele, um número suficiente para cobrir o país) ficaria na casa de R$ 463 bilhões (cerca de R$ 3 milhões anuais por escola, um valor razoável), o que corresponderia a 6,4% do PIB. E lembra que o Plano Nacional de Educação prevê a destinação de 10% do PIB para a área, ou seja, o plano sairia mais barato do que o mau costume brasileiro de repassar dinheiro federal para que os municípios toquem as políticas públicas em educação.
Quando a gente olha para a saúde percebe o mesmo. As ações de saúde não acontecem direito porque cada município quer fazer do seu jeito, não há um seguimento objetivo da política nacional, e a corrupção impera junto com a incompetência técnica na maioria dos municípios. E por que isso acontece?
O governo federal se sustenta politicamente a partir do financiamento municipal. Aos que questionam o Bolsa Família (eu não), será que entendem que o centro de nossa forma de fazer gestão pública é um conjunto de "Bolsas Município"? O dinheiro vai para os municípios, que não conseguem fazer nada, e por isso pedem mais dinheiro ao governo federal, que manda mais dinheiro para se sustentar politicamente. Alguns estados já fazem o mesmo e adotam políticas de repasse de recursos aos municípios, que quase sempre são usadas como moeda de troca para manter os prefeitos sob sua influência.
Uma das inúmeras necessidades desse país é acabar com a grande maioria dos municípios, especialmente os pequenos currais eleitorais com 5 vereadores (com "Excelências" que possuem nomes do tipo "Mané da Venda", "Biu do Armazém" e "Neneca da Ambulância" - atenção: nomes fictícios, ok? Qualquer coincidência com pessoas reais trata-se de mera coincidência). As gestões municipais são, via de regra, parasitas sociais que só servem para perpetuar o poder políticos de grupos locais.
Pena que isso não vai acontecer nunca.
sábado, 1 de março de 2014
Uma consulta de "primeira vez"...check-ups.
(mulher, aproximadamente 55 anos, entra no meu consultório pela primeira vez)
- Bom dia!
- Bom dia, doutor!
- Como está a senhora? Tudo bem?
- Tudo bem...
- E aí? O que a senhora me traz hoje? Posso te ajudar em algo?
- Eu queria fazer um check-up.
- Ok. Quais os exames que a senhora quer fazer?
- Ah, sei lá...esses todos aí, doutor...sangue, fezes, urina...
- A senhora tá preocupada com algum problema, alguma doença especificamente?
- Não. Mas na minha idade a gente tem que saber como está, né?
- É. E como a senhora está? Se sente bem? Tem alguma queixa?
- Não.
- Certo...a senhora toma, ou já tomou algum medicamento para alguma coisa?
- Tomo sim, doutor! Eu tomo um remédio pro colesterol, e tomo uns remédios pra umas dores que eu sinto na perna de vez em quando.
- Ah...então a senhora sente dor na perna? Me fale mais sobre essa dor...
- Isso é coisa antiga, doutor. Já me acostumei. Tem mais de 10 anos que eu sinto essa dor.
- Certo. Mas como ela é?
- É uma dor nos joelhos, doutor. Já fui em um monte de médicos...já tomei tanto remédio que acabei com gastrite. Fiz até aquele exame da borracha uma vez! Aí um médico me passou uns remédios pro estômago...melhorei, mas de vez em quando ainda dói.
- Ok...então a senhora tem uma dor no joelho há mais de 10 anos, já tomou um monte de remédios e acabou com gastrite, que já tratou mas de vez em quando ainda incomoda, é isso?
- É! E eu tenho pressão alta também, viu?
- Olha! Mais uma coisa! E a senhora me falou no começo que não tinha nada! E toma algum remédio pra pressão?
- Tomo sim, doutor. Assim, às vezes eu esqueço, né? Mas quase todo dia eu tomo.
- Faz tempo que toma remédio pra pressão?
- Faz uns anos já...nunca mais eu fui no médico.
- Então a senhora tá sem acompanhamento médico pra essa pressão alta, né? Há quanto tempo?
- Vixe...sei não. Acho que uns dois, três anos.
- E tava comprando o remédio e tomando?
- Às vezes comprava, às vezes conseguia uma receita com alguém e pegava no posto...às vezes pegava remédio com uma vizinha minha...
- Certo...então já temos quatro coisas pra cuidar, né? A dor nos joelhos, a gastrite, a pressão alta e aquele remédio pra colesterol que a senhora falou. Tem mais alguma coisa?
- Uma vez meu açúcar no sangue deu alto, mas era pra eu ter feito uns exames aí e acabei não fazendo...e tem os exames de vista também que nunca mais eu fiz, meu óculos deve estar é vencido...
- Ok. Então vamos começar a cuidar disso tudo hoje, ok?
- Certo. E o senhor vai pedir meu check-up?
- Acho que a gente tem um monte de coisa pra cuidar agora, né? Vamos primeiro resolver essas coisas e depois a gente pensa em check-up?
- O senhor que sabe, doutor...
- Então vamos lá. Deixa eu ver esse joelho...
----------------------------------------
E a consulta seguiu em frente...
Impressionante como a cultura de check-up já está tão arraigada nas pessoas que elas colocam a prevenção acima dos inúmeros problemas que já têm.
A quem serve essa indústria de check-ups?
- Bom dia!
- Bom dia, doutor!
- Como está a senhora? Tudo bem?
- Tudo bem...
- E aí? O que a senhora me traz hoje? Posso te ajudar em algo?
- Eu queria fazer um check-up.
- Ok. Quais os exames que a senhora quer fazer?
- Ah, sei lá...esses todos aí, doutor...sangue, fezes, urina...
- A senhora tá preocupada com algum problema, alguma doença especificamente?
- Não. Mas na minha idade a gente tem que saber como está, né?
- É. E como a senhora está? Se sente bem? Tem alguma queixa?
- Não.
- Certo...a senhora toma, ou já tomou algum medicamento para alguma coisa?
- Tomo sim, doutor! Eu tomo um remédio pro colesterol, e tomo uns remédios pra umas dores que eu sinto na perna de vez em quando.
- Ah...então a senhora sente dor na perna? Me fale mais sobre essa dor...
- Isso é coisa antiga, doutor. Já me acostumei. Tem mais de 10 anos que eu sinto essa dor.
- Certo. Mas como ela é?
- É uma dor nos joelhos, doutor. Já fui em um monte de médicos...já tomei tanto remédio que acabei com gastrite. Fiz até aquele exame da borracha uma vez! Aí um médico me passou uns remédios pro estômago...melhorei, mas de vez em quando ainda dói.
- Ok...então a senhora tem uma dor no joelho há mais de 10 anos, já tomou um monte de remédios e acabou com gastrite, que já tratou mas de vez em quando ainda incomoda, é isso?
- É! E eu tenho pressão alta também, viu?
- Olha! Mais uma coisa! E a senhora me falou no começo que não tinha nada! E toma algum remédio pra pressão?
- Tomo sim, doutor. Assim, às vezes eu esqueço, né? Mas quase todo dia eu tomo.
- Faz tempo que toma remédio pra pressão?
- Faz uns anos já...nunca mais eu fui no médico.
- Então a senhora tá sem acompanhamento médico pra essa pressão alta, né? Há quanto tempo?
- Vixe...sei não. Acho que uns dois, três anos.
- E tava comprando o remédio e tomando?
- Às vezes comprava, às vezes conseguia uma receita com alguém e pegava no posto...às vezes pegava remédio com uma vizinha minha...
- Certo...então já temos quatro coisas pra cuidar, né? A dor nos joelhos, a gastrite, a pressão alta e aquele remédio pra colesterol que a senhora falou. Tem mais alguma coisa?
- Uma vez meu açúcar no sangue deu alto, mas era pra eu ter feito uns exames aí e acabei não fazendo...e tem os exames de vista também que nunca mais eu fiz, meu óculos deve estar é vencido...
- Ok. Então vamos começar a cuidar disso tudo hoje, ok?
- Certo. E o senhor vai pedir meu check-up?
- Acho que a gente tem um monte de coisa pra cuidar agora, né? Vamos primeiro resolver essas coisas e depois a gente pensa em check-up?
- O senhor que sabe, doutor...
- Então vamos lá. Deixa eu ver esse joelho...
----------------------------------------
E a consulta seguiu em frente...
Impressionante como a cultura de check-up já está tão arraigada nas pessoas que elas colocam a prevenção acima dos inúmeros problemas que já têm.
A quem serve essa indústria de check-ups?
terça-feira, 18 de fevereiro de 2014
Casos emblemáticos pra pensar um pouco
Caso 1:
Um homem de 60 e poucos anos, diabético em uso de insulina sem qualquer regularidade, com a doença descontrolada, que tinha dormência e queimação nos pés há alguns meses. Foi atendido por uma pediatra (???) numa UBS que diagnosticou...erisipela. Prescreveu antibióticos, que claro, não funcionaram.
Diagnóstico: neuropatia diabética. Corrigi a insulina e mediquei a neuropatia.
Caso 2:
Uma mulher de quase 70 anos com dores no joelho há vários meses. Foi à sua ginecologista, que diagnosticou...osteoporose. E prescreveu carbonato de cálcio e vitamina D.
Diagnóstico: artrose bilateral de joelhos. Suspendi o carbonato de cálcio e a vitamina D, mediquei com antiinflamatórios e solicitei fisioterapia.
Caso 3:
Homem de 50 e poucos anos com diagnóstico de diabetes e hipertensão. Procura a USF com queixa de dores musculares. Medicamentos em uso: dois anti-hipertensivos, um medicamento para o diabetes e...sinvastatina. Nenhuma história de doença cardiovascular. Nem mesmo um examezinho de "rotina" com colesterol elevado.
Diagnóstico: dor muscular secundária à sinvastatina. Suspendi a mesma, aproveitei e suspendi o AAS também.
-------------------
Acho que eu gasto 30-40% do meu tempo em consultório corrigindo essas coisas. Tudo fruto de um sistema centrado em especialistas focais que usam representantes de laboratório como principal fonte de "atualização" clínica.
E o salário, ó...
Um homem de 60 e poucos anos, diabético em uso de insulina sem qualquer regularidade, com a doença descontrolada, que tinha dormência e queimação nos pés há alguns meses. Foi atendido por uma pediatra (???) numa UBS que diagnosticou...erisipela. Prescreveu antibióticos, que claro, não funcionaram.
Diagnóstico: neuropatia diabética. Corrigi a insulina e mediquei a neuropatia.
Caso 2:
Uma mulher de quase 70 anos com dores no joelho há vários meses. Foi à sua ginecologista, que diagnosticou...osteoporose. E prescreveu carbonato de cálcio e vitamina D.
Diagnóstico: artrose bilateral de joelhos. Suspendi o carbonato de cálcio e a vitamina D, mediquei com antiinflamatórios e solicitei fisioterapia.
Caso 3:
Homem de 50 e poucos anos com diagnóstico de diabetes e hipertensão. Procura a USF com queixa de dores musculares. Medicamentos em uso: dois anti-hipertensivos, um medicamento para o diabetes e...sinvastatina. Nenhuma história de doença cardiovascular. Nem mesmo um examezinho de "rotina" com colesterol elevado.
Diagnóstico: dor muscular secundária à sinvastatina. Suspendi a mesma, aproveitei e suspendi o AAS também.
-------------------
Acho que eu gasto 30-40% do meu tempo em consultório corrigindo essas coisas. Tudo fruto de um sistema centrado em especialistas focais que usam representantes de laboratório como principal fonte de "atualização" clínica.
E o salário, ó...
Assinar:
Postagens (Atom)