A discussão sobre os caminhos para o SUS é essencial, e a participação de formadores de opinião como o Drauzio Varella mostra que talvez tenha chegado a hora de levá-la à sociedade em geral. Mas vejo o texto do Drauzio com preocupação, pois confunde muitos conceitos caros ao que já sabemos sobre sistemas nacionais de saúde. Claro que muita gente escreve sobre o assunto por aí, mas pelo peso que a opinião do Drauzio tem, achei importante abrir aqui uma discussão sobre as coisas que ele falou.
Ele abre o texto dizendo que:
"Políticas públicas destinadas exclusivamente aos mais pobres estão fadadas ao fracasso"
Concordo em gênero, número e grau. O texto segue dando demonstrações de que as políticas públicas de saúde mais bem sucedidas são as que atingiram cobertura universal: o programa nacional de imunizações, o tratamento da infecção pelo HIV, o programa de transplantes. Eu incluiria aí também o SAMU. Nesses programas, pobres e ricos conseguem tratamento igual (salvo exceções). Aí o Drauzio aponta os problemas de financiamento insuficiente associados à gestão ruim dos gastos e à corrupção, e chega à conclusão que quanto menos os ricos utilizarem o SUS, mais recursos sobrará para os pobres. O verbo usado foi esse, SOBRAR.
E é aí que mora o problema. Recurso pra saúde não tem que ser "o que sobra". Tem que ser o necessário E (notem o maiúsculo-negrito-sublinhado) adequado ao orçamento público. A Claudia Collucci diz, acertadamente, que "nem países mais ricos e menos populosos que o nosso ousaram prometer 'tudo para todos' em saúde". Verdade. Mas o que eles prometem?
Pessoas procuram unidades de pronto-atendimento para pegar uma receita de dipirona que permita pegar o medicamento sem custos na rede do SUS. Ou agendam consultas ambulatoriais para pedir exames "de rotina" que não acrescentam nada à sua saúde. Médicos influenciados pela indústria farmacêutica prescrevem medicamentos caros apenas por serem novidades, não por serem mais eficazes que outras drogas já consolidadas.
E é esse aspecto do mau gasto público que o Drauzio esquece de abordar em seu texto. Olhem a conclusão:
"se não há dinheiro para todos, que os estratos mais ricos da população cuidem da própria saúde e deixem o SUS para os que não têm alternativa."
Não, Drauzio. Você mesmo já tinha afirmado e demonstrado ali em cima que a solução é universalizar, não restringir. A grande questão é o que universalizar. Cansei de ver pacientes com hipertensão ou diabetes recém-diagnosticados utilizando medicamentos mais caros, oferecidos pelo SUS e que deveriam estar reservados para pessoas com maior dificuldade no controle de seus problemas. Ou de receber pacientes que trazem resultados de 20 exames laboratoriais solicitados sem qualquer embasamento científico.
A Claudia tá certa: não dá pra prometer tudo. Tem que limitar a promessa ao que funciona e tem relação custo-benefício satisfatória, aprovado em avaliações técnicas que contem com gestores e profissionais do SUS. Tem que entrar em acordo com o judiciário para que considerem essas decisões ao julgar causas contra o SUS. Se for preciso mudar o arcabouço legal do SUS pra isso, então mudemos. Mas o que a gente resolver prometer, tem que prometer pra TODO MUNDO. Porque como o próprio Drauzio falou, "políticas públicas destinadas exclusivamente aos mais pobres estão destinadas ao fracasso".
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ResponderExcluirExcelente análise, Rodrigo. Realmente precisamos discutir essas várias nuances, inclusive da prática médica, antes de sequer se cogitar diminuir a universalidade do SUS. Fora que, o próprio SUS já é baseado na equidade, o que quebra um pouco essa lógica colocada por ele. O grande problema que vejo é que o nosso sistema ainda não foi abraçado pelos profissionais e pela população como um todo.
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