Entra no consultório uma senhora de 90 anos, numa cadeira de rodas, trazida por sua neta. Como de costume, quem fala é a neta, pois parece que há uma espécie de norma social que diz que idosos não podem falar por si. Pergunto o motivo da consulta, e ela responde que a avó tem diabetes e que a glicose estava alta esses dias, descobriram após "aquele exame de furadinha no dedo". Complementa que a avó também tem hipertensão, e que toma alguns medicamentos, trazidos naquela velha sacolinha de supermercado.
Me viro para a vovó, sorrio, e pergunto como ela está. Ela sorri de volta e diz: "Tô bem, doutor". Pergunto se ela come bem, se dorme bem, se tem sentido algum problema, e antes que ela responda a neta diz: "Doutor, ela adora comer pipoca. Diga a ela que não pode!".
***Se eu chegar aos noventa anos, amigos, vocês podem ter uma certeza: eu comerei o que eu quiser, na hora que quiser, do jeito que quiser (e tiver alcance pra pegar). Nem tentem impedir. ***
Enfim, digo a ela que pode comer a pipoquinha dela, só tem que ter cuidado pra não engasgar porque sabe como é, pipoca engasga. "Todo dia, doutor?", pergunta a neta, assustada. "Sim, todo dia. Desde que não substitua refeições. E tenta comer com pouco sal, ok?".
A vovó de repente dá um sorriso, agradece. A neta emenda: "Eita que tem gente que ficou feliz, né, vó?". E sorri também.
Fiz as velhas desprescrições de sempre (pantoprazol usando há 2 anos sem qualquer queixa relacionada ao estômago, tomando três medicamentos para a hipertensão e estava com pressão 12 x 8, tomando aquele velho remédio pra "baixar os triglicerídeos")...normalmente tirar os remédios é a parte que me deixa mais satisfeito durante uma consulta assim, porque é visível o alívio da pessoa quando é informada de que não precisa tomar tanta coisa. Mas nessa consulta, nem foi o melhor.
Bom mesmo foi liberar a pipoquinha pra vozinha de 90 anos. Vou pra casa com aquele sorriso dela na cabeça.
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