quinta-feira, 18 de julho de 2013

Uma imagem

Há alguns dias eu recebi um fotógrafo de um jornal de Recife pra fazer umas fotos minhas. Era uma matéria sobre a chegada de médicos estrangeiros, e fui um dos entrevistados. A entrevista acabou incluindo algumas perguntas sobre a minha opção pela medicina de família, e enfim, o camarada veio aqui obter imagens para ilustrar a matéria.
Antes de fazer as fotos acabamos conversando um pouco sobre o tema da matéria, acho que os fotógrafos fazem isso pra tentar captar o clima, sei lá. Eu adoro falar, ainda mais sobre esses assuntos e ainda mais pra quem se interessa em ouvir, e a conversa foi bastante interessante, até que fomos para as fotos.
"O senhor não vai colocar a bata?", perguntou o fotógrafo. Eu ri meio sem jeito, e disse a ele que não costumava usar bata no consultório a não ser que fosse necessário, ao realizar um procedimento ou coisa do tipo. Expliquei que a bata (aos de outras regiões que possam estar lendo isso, "bata" é igual a "jaleco", tá?) era um item de proteção, de segurança contra fluidos, líquidos, enfim, e que eu usava na urgência, não no consultório. Eu acho que não usar a bata acaba me aproximando mais das pessoas que me procuram, pois elimina aquela barreira branca imaculada que pretende me dar uma aura que eu provavelmente nem mereço. Bem, pra fechar, eu disse que se ele queria um registro fiel meu, que me fotografasse sem bata.
"Ok, entendo, tudo bem...então vamos lá: eu vou fotografar quando o senhor aferir a pressão dela (tinha uma paciente na sala, que havia autorizado o registro), tudo bem?"

Lá vou eu.

"Não. Tudo bem nada. Vê só, eu passo em torno de 15 a 20 minutos com uma pessoa no consultório. Aferir a pressão é uma coisa que eu não faço com todo mundo, só quando precisa, e isso me toma menos de um minuto. A parte mais importante da minha consulta é ouvir a pessoa, é tentar entender exatamente o que a traz aqui e o que eu posso fazer por ela. Se tu quer um registro meu que seja fiel à realidade, fotografa a gente conversando!"

Eu sei. Eu sou um chato às vezes. Mas é que haja paciência com aquela mesma foto de um atendimento que sempre tem que envolver a aferição da pressão, ou a ausculta cardíaca, ou uma verificação do reflexo patelar (aquele martelinho no joelho). Por que raios a mídia sempre caracteriza a gente como realizadores destes procedimentos, se eles não são a parte mais importante da consulta? Isso acaba alimentando continuamente a visão do médico que tem que focar nos procedimentos, nos exames, nos medicamentos.

Por fim, depois desses discurso chatérrimo o fotógrafo me propôs uma nova cena: "Então a gente faz assim: eu coloco o aparelhando da pressão e seu estetoscópio em cima da mesa, paradinho aqui, e fotografo vocês conversando. Eu preciso disso pra caracterizar a imagem como sendo em um consultório. Se não for isso, como os leitores do jornal vão saber que estamos em um?"

Beleza. Assim vá lá que seja. Fizemos a foto, e de fato foi isso: se não fosse isso, não daria pra saber se estávamos num consultório ou num guichê do Detran.

Nos despedimos, o fotógrafo saiu satisfeito, gostou da conversa e da imagem, acho. A foto acabou sendo publicada mesmo.

E eu fiquei satisfeito também. Mas com uma pulga atrás da orelha: por que consultórios precisam ter aparelhinhos pra poder parecer com consultórios?


Em tempo: a foto está abaixo, saiu no JC de 30/06/13, e o crédito da imagem é de Bobby Fabisak, do JC Imagem, a quem agradeço a paciência comigo.


3 comentários:

  1. Mesmo com toda a sua argumentação, as "ferramentas duras" ainda ocuparam metade da foto!rs Avante!

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  2. Mudar um paradigma é uma missão difícil mesmo. Parabéns.

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  3. Pois é, Raquel...a missão é difícil, como Magda disse. Mas vamos em frente!

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